O texto que eu vou escrever não tem a
pretensão de ser um guia ou referência para outros mototuristas que desejem
percorrer os caminhos do deserto Chileno, mas sim, apenas contar alguns trechos
das aventuras e desventuras de dois paulistas apaixonados por moto que
decidiram conhecer as trilhas do Oceano Pacífico que banham a costa do Chile
entre as Cordilheiras.
Mas esta história começa muito antes da nossa
partida em 27/10/13. Em 2012 quando eu e o Cássio chegamos das nossas férias em
Bonito – MT percebemos que podíamos ir além, que estávamos prontos para nos
aventurarmos no exterior.
Então começamos a planejar o passeio.
Convidamos os amigos e marcamos para novembro de 2013. Ao longo do ano, contudo,
muitas mudanças aconteceram, em especial a antecipação da data para outubro
devido a uma agenda no meu trabalho e a turnê do maravilhoso Black Sabbath, a
substituição da moto que foi roubada por uma mais moderna e a impossibilidade
dos colegas em nos acompanhar.
Fechado o período da viagem iniciamos o que
talvez tenha sido o nosso maior desafio: compactar a bagagem do Véio nas malas
da Fiona.
Nesse ponto acho prudente fazer uma legenda
básica a fim de facilitar o entendimento da narrativa:
. Fiona = Moto BMW F800GS;
. Cássio = Véio, piloto, mandão, marido...;
. Lucilene = Lu, garupa, companheira
admirável...;
. Chico = bagagem adicional coberta por um
saco preto de plástico;
. GPS = Gabriela;
. Dragões = nome parcial do grupo.
Após a superação dessa etapa com ajuda de internautas,
que indicaram lingerie descartável e camisetas velhas, fomos para a parte
prática do planejamento já que a meta era ambiciosa – rodar 10.000 km em terras
estrangeiras, ou seja, desenhar o roteiro, reservar os hotéis, mapear os postos
de combustíveis, equipar a moto, trocar o dinheiro, ampliar a capacidade de
registros fotográficos, adaptadores e etc., observem que eu falo no plural, mas
quem conhece o Véio sabe que a minha participação no processo foi mínima, mas
até aí tudo bem, ele costuma ser eficiente na organização e também muito
sensível a críticas.
Assim vou me concentrar em narrar dia a dia,
mas é possível que à medida que as lembranças surjam um assunto leve a outro e
alguns fatos fiquem fora da ordem cronológica; olha... não sejam tão rigorosos
comigo sou amadora nesse ramo, além disso estou digitando em uma máquina que
tem vida própria e me odeia, acamada devido as fraturas no tornozelo que me
deixam mal humorada e o Cássio fica dando pitacos, mas este já é o desfecho da
história, viu o que eu falei sobre a ordem...
1º Dia – 27/09 (sexta-feira)
A previsão era sairmos às 8 horas, mas cheguei
do trabalho perto das 13 horas. A Fiona estava carregada, o Cássio pronto e tão
ansioso que fazia uns três dias que não dormia ou comia direito. A meta era chegarmos
até Passo Fundo – RS, para pernoite a cerca de 1.000 km de Mauá. O Véio
acelerou fundo, mas devido ao adiantado das horas motocamos durante a noite e assim
violamos a primeira regra da nossa viagem – não viajar durante a noite.
O Cássio começou a sentir os efeitos das mais de 30 horas sem descansar e o fato se refletiu no seu desempenho no controle da moto; e eu que tenho a fama de dorminhoca fiquei alerta, debruçada e cutucando-o até nosso destino. Agora eu sei como é ficar na garupa de uma moto esportiva e gente, na boa, prefiro o conforto das custom, sem contar que nada de comida ou bebidinha reconfortante até a chegada ao hotel por volta das 3 da manhã, onde beliscamos bolachas e água.
O Cássio começou a sentir os efeitos das mais de 30 horas sem descansar e o fato se refletiu no seu desempenho no controle da moto; e eu que tenho a fama de dorminhoca fiquei alerta, debruçada e cutucando-o até nosso destino. Agora eu sei como é ficar na garupa de uma moto esportiva e gente, na boa, prefiro o conforto das custom, sem contar que nada de comida ou bebidinha reconfortante até a chegada ao hotel por volta das 3 da manhã, onde beliscamos bolachas e água.
Como atrasamos no primeiro dia
consequentemente perdemos a hora da partida no segundo dia e fechar as malas
era sempre um desafio que consumia quase uma hora, pois o Véio guardava um item
e esquecia outro, precisava um peça e lá estava ela bem no fundo da mala, aí
começava tudo novamente.
De volta à estrada fomos surpreendidos por
uma ventania e chuva, momento ideal para usar minha capa nova de chuva. Toda
equipada percorremos uns 30 quilômetros e a chuva promissora acabou, a
temperatura subiu e eu comecei a assar dentro da roupa plástica. Fizemos uma
parada rápida no meio da estrada para eu desvestir a blusa e amarrá-la no
Chico. Após um tempo percebi um movimento na bagagem e tentei avisar o Cássio,
mas ele como sempre minimizou o meu informe e apenas reduziu a velocidade, eu
apalpei o Chico e não constatei nada, assim seguimos viagem. Na parada oficial
para abastecimento percebi que na verdade o que eu tinha visto era a capa de
chuva voando estrada a fora. À noite fiquei ligada no noticiário para saber se
tinha acontecido algum acidente misterioso nas estradas sulistas do Brasil,
onde testemunhas falassem de um vulto preto caído do céu que atrapalhou o tráfego
e coisa e tal, mas nada ouvi, é claro que eu já estava na Argentina e isso pode
ter interferido nas comunicações.
Nós combinamos que se chegássemos à fronteira
argentina até às 17 horas atravessaríamos, caso contrário dormiríamos na
divisa. Chegamos a tempo, preenchemos os papeis e entramos em terras argentinas
rumo a um hotel vegano na cidade de Paraná.
As estradas argentinas são bem patrulhadas e
fomos parados várias vezes para verificação dos documentos e das bagagens mesmo
durante a noite.
Na primeira averiguação o gentil patrulheiro
após nos liberar pediu dinheiro para ajudar na pintura da casinha. O pedido foi
tão descarado que por alguns segundos ficamos aturdidos, mas recobramos o
autocontrole e demos umas notas de pesos. Pela expressão do policial o dinheiro
oferecido equivale a uns 10 reais e não o agradou muito. Fizemos cara de
turista burro, sorrimos, montamos na moto e saímos acenando.
Estávamos mega cansados após muitas horas de
pilotagem, ressentidos com o frio e eu faminta já que o Cássio ainda estava me
mantendo na dieta das supermodelos de passarela – conhecida como jejum total.
No local fomos recebidos cordialmente por uns
naturalistas sorridentes e enquanto o Véio nos registrava com seu portunhol
sofrível eu fui fazer um reconhecimento do local.
O hotel fica instalado em uma antiga área (desativada)
de espera da ferrovia, inaugurada em 25 de maio de 1872, linda e charmosa.
Atravessei a rua para fotografar e estava distraída com a paisagem quando ouvi
barulho de patas batendo na rua e fiquei paralisada. Para meu desespero um
enorme cachorro vinha correndo desabalado em minha direção, para quem possa
estranhar a minha reação eu morro de medo de cachorro (grandes, pequenos,
acorrentados, peludos etc.), e o Véio de papo com os hippies argentinos sem
nada perceber. Para piorar, o cão trazia um osso na boca e resolveu roê-lo em
frente à porta do hotel, impedindo-me de entrar no mesmo. A fera me olhava e
lambia o petisco. E eu com o coração na boca, pensando.... Vou morrer já que
não sei falar espanhol! Mas nada aconteceu, o bicho mordiscou a prenda, voltou
pelo mesmo caminho e sumiu, e eu, claro, entrei no hotelzinho.
O quarto do hotel, simples e pequeno, ficava
no segundo andar e lá fomos nós escadas acima com todas as malas. Após o banho
eu me deitei e o Cássio foi à busca de uma refeição, não encontrou, mas eu soube
posteriormente que ele bebeu cerveja artesanal o que lhe deu vantagem, pois eu
fiquei apenas com barrinhas de cereal e água. Mais tarde fiquei pensando que ao
invés de fugir do cachorro eu deveria é ter pegado o osso dele.
3º Dia 29/09 (domingo)
Depois do café da manhã saudável e levem,
próprio para um coelho, o Véio foi tirar a moto do estacionamento e apesar do
portão ter mais de um metro de largura ele raspou a lateral da moto, aí tivemos
de acelerar a nossa saída, afinal o portão é centenário, provavelmente uma relíquia
e não queríamos alimentar a animosidade entre brasileiros e argentinos.
Seguimos rumo à Mendonza, por muitas centenas
de quilômetros através de uma estrada reta, plana, seca, fria, sem atrativos
qualquer, sem alma viva, monótona e chatinha, só animava quando já de noite
ultrapassávamos algum caminhão e este acendia os faróis altos que lembravam
naves espaciais e nós cegavam momentaneamente. Percebemos mais tarde que a
farolada era uma resposta ao farol da Fiona que devido ao excesso de bagagem
estava desregulado.
Após algumas paradas obrigatórias a Gabriela
nós orientou a pegarmos uma nova rota que passa por áreas urbanas baixando
assim o ritmo da viagem. Uma curiosidade da Argentina, todas as praças públicas
possuem uma imagem de santo católico, fortemente protegida por grades e vidro,
assim fiquei pensando se as pessoas querem rezar ou se o governo quer que as
pessoas rezem.
As pequenas cidades vista rapidamente
pareciam simples, rústicas e organizadas, muito parecidas entre si. Enquanto
passávamos por San Francisco reduzimos para eu fotografar a unidade da empresa
ZF em homenagem ao nosso amigo Adalberto, quando fomos abordados por um guarda
da província.
O mau profissional argumentou que tínhamos
avançado um farol vermelho e por esse motivo ia aplicar uma multa, além disso,
considerando que era domingo e havia histórico de turistas que saíam do pais
sem pagar, ia apreender a moto como garantia. Na verdade estávamos entendendo bem
pouco do que o homem falava, mas havia uma certeza: ele blefava descaradamente
sobre nossa infração e as regras. O fato se confirmou quando o representante da
lei vergonhosamente propôs nos fazer o favor de ignorar à situação e nos
liberar por 500 pesos. Já bastante frustrados e irritados com a cara de pau do
fardado, continuamos a fingir problemas com a comunicação e informamos que
possuíamos apenas dinheiro para os pedágios, combustível e alimentação, pois a
maioria dos estabelecimentos comerciais não aceitavam cartão de crédito/débito
e negociamos nossa liberação por 200 pesos.
Seguimos pela estrada e a paisagem foi
mudando radicalmente. Havia iluminação, casas e comércios. Dessa forma, sob uma
luz intensa, chegamos à bela cidade de Mendonza, nos hospedamos e descansamos.
4º dia 30/09 (segunda-feira)
De manhã, durante o desjejum, finalmente
fiquei frente a frente com comida farta. Agendamos um passeio às vinícolas, mas
antes tínhamos que encontrar uma casa de câmbio e assim fomos ao shopping. O
conjunto de lojas e praça de alimentação é exatamente como aqui no Brasil e os
frequentadores também. Impressionante quantas pessoas aparentemente desocupadas
e despreocupadas circulavam pelo local.
Observei outros detalhes no comportamento dos argentinos: que são
vaidosos, muito machistas, esnobes e, detesto reconhecer, magros e extremamente
elegantes.
No ônibus turístico entabulamos conversa com três
gaúchos, sendo que um já tinha percorrido muitos locais de moto e passou
algumas dicas quanto aos cuidados com a péssima qualidade da água, os
patrulheiros e suas eternas reformas, postos irregulares de abastecimento e
etc.
A guia falou em espanhol e inglês, apesar da
maioria ser brasileiros e ter apenas uma moça inglesa, ou seja, assim entendi
parcialmente as instruções, mas também não me interesso por vinhos ou a arte de
fazê-los, só fiquei em alerta quando ouvi a palavra chocolate. Registrei ainda
que aos nobres vinhos eram acrescidos pinho (madeira) e desejando exibir meus recente
conhecimentos ao Cássio expus a minha teoria da origem do termo dos distintos
sabores amadeirados nos vinhos. Nem tinha acabado de falar e o Véio já
gargalhava, passado uns minutos de puro constrangimento ele me lembrou que em
castelhano o som de V soa como P, então pinho era apenas vinho mesmo. É claro
que toda vez que algo ou alguém fazia uma referência sobre vinhos lá estava o
Cássio com um sorrisinho irônico estampado no rosto.
Nas duas vinícolas visitadas a situação foi
parecida, muita propaganda, degustação e turistas comprando o produto como se
fosse uma raridade.
Na fábrica de chocolate, onde também tinha
licores, doces, pães e patês, foi uma festa, pois já passeávamos a muitas horas
e estávamos com fome (alguns mais alegres devido ao vinho) e quando a
demonstradora serviu as amostras avançamos e em segundos só havia farelos sobre
a mesa. Para compensar todos compramos coisinhas na lojinha.
5º dia 01/10 (terça-feira)
Só com o café da manhã no estômago pegamos a
estrada rumo ao Chile, que se revelou no trecho mais recompensador da viagem. Local
lindo, margeado pela Cordilheira parcialmente congelada. Estávamos bem
agasalhados e munidos com as máquinas para fotografia e filmagem, além de
felizes por sair da Argentina e ficar longe de seus homens da lei, e eu já com
fome, na expectativa de comer o chocolate guardado na bolsa.
O local estava bem movimentado,
principalmente por caminhoneiros, devido ao agito o Cássio perdeu a entrada e
foi direto à guarita, a argentina/chilena que liberava a cancela nos olhou como
se fossemos lunáticos e rapidamente demos meia volta, vai que além do olhar
mortal ela tivesse uma carabina.
Tínhamos lido que a fiscalização na fronteira
era super rigorosa, revistam todas as malas e qualquer produto comestível
perecível violado seria confiscado, assim, calculei que quando os fiscais
abrissem as bolsas eu enfim comeria o meu chocolate. Mas é claro que os
trabalhadores, até os caninos, estavam com tanto frio que nos liberaram apenas
conferindo os documentos.
Já no Chile descemos pela estrada tortuosa
conhecida como Caracolles, que estava em reforma, não tem guard rail e parece
escorregadia, chegando após algumas horas na cidade de Los Andes. Paramos em
uma pousada que servia uma maravilhosa refeição e eu fui apresentada ao mais
delicioso pão que eu já comi e fiquei dependente, viciada mesmo naquela
massinha crocante, principalmente enquanto quente.
Foi sem dúvida a melhor refeição de toda a
viagem, até eu observar o nível de padrão de higiene no país e ai o encanto
diminuiu.
A chegada à Santiago do Chile foi cerada de
muita expectativa seguida de certa frustração. Eu esperava uma cidade
cosmopolita, elegante, transpirando cultura e civilidade, mas me deparei com um
local cheio de carros velhos, ar pesado e poluído, barulhento, transito caótico,
muitas pessoas perambulando pelas ruas, vendedores ambulantes, pedintes e uma
quantidade assustadora de cachorros soltos.
O hotel fica na região central e mais
popular, próximo às estações de transportes públicos, o que concentra um
expressivo número de transeuntes.
Depois de instalados saímos a pé para
conhecer as redondeza, o que só confirmou a minha primeira impressão.
6º dia - 02/10 (quarta-feira)
Ficamos quatro dias em Santiago pois íamos
para os shows do Iron Maiden no dia 02/10 e do Black Sabbath no dia 04/10, só
que precisávamos retira o ingresso do segundo na casa de parentes de um
comerciante chileno que mora no Brasil, conhecido de uma amiga que tem um
lojinha perto do local onde eu trabalho, confuso né? Mas é isto mesmo. Os
organizadores da turnê do Sabbath não faziam entrega para o exterior, assim
recorremos à boa vontade de um total desconhecido.
Munidos do endereço e da Gabriela,
localizamos rapidamente a casa, registramos em foto o encontro com os gentis
chilenos e aproveitamos para conhecer a periferia.
Uns amigos que trabalham junto com o Cássio
também estavam no Chile para assistir o Iron e circulamos pelo centro para
procurá-los, não os encontramos, assim aproveitamos para conhecer o tradicional
Mercado Central onde desperdicei dinheiro escolhendo para comer uma mariscada.
Próximo do horário do espetáculo locamos um
táxi, sendo que o taxista considerou uma excentricidade o uso do cinto de
segurança, apesar disso chegamos em segurança ao estádio e nos posicionamos no
meio da pista, situação que durou até a entrada da banda Slayer. Já nos
primeiros acorde começou a agitação, fomos empurrados e espremidos pela massa
humana de cabeludos.
Quando enfim o Iron subiu ao palco foi pura
energia. Mais de 60 mil fãs cantando, vibrando e pulando. Ao nosso lado um
fanático muito afinado acompanhava cada palavra. Um outro, mais entretido com
sua garrafinha de líquido esverdeado e cigarrinhas muito suspeitas, decidiu
adotar o Cássio como seu melhor amigo, entabulava conversas, oferecia bebidinha
e até nos presenteou com uma livre tradução das palavras de interação que o
vocalista fazia com o público.
Na saída percebemos que o celular não tinha
sinal e não conseguíamos um táxi. Conforme o tempo foi passando a polícia
começou a esvaziar o local, prevenindo qualquer tumulto, pois no Chile é
proibido consumir alcoólicos nas ruas após as 21 horas e, também, perambular
sob efeito da droga, e nós sem saber como ir para o hotel, já que o Véio,
responsável pela parte organizacional da viagem, não anotara o endereço do
mesmo mas lembrava que era perto da rodoviária. Observamos ao longe um ponto de
parada de ônibus e lá fomos, como já passava da 1 hora eu estava aflita e muito
apertada para usar o banheiro. Consultamos o motorista que após contatar que
éramos estrangeiros decidiu nos dar uma carona e avisar da proximidade da
rodoviária. Entramos no coletivo vazio, que mais parecia um sucata, que foi
lotando e lotando inibindo o condutor de falar conosco, assim cravamos os olhos
no trajeto para descermos no local certo. Quando avistamos a avenida do hotel
saltamos, mas erramos a distância e tivemos que caminhar por mais de um
quilómetro. E eu em uma profunda concentração na esperança de chegar até um
banheiro sem nenhum acidente urinário.
7º dia - 03/10 (quinta-feira)
Neste dia não tínhamos qualquer programação e
fomos passear pela cidade, ver os pontos turísticos, mas nada notório de
destaque, a não ser o hot dog com creme de abacate e a Biblioteca Municipal.
Voltamos ao Mercado e dessa vez fiz uma escolha mais saudável ao meu paladar.
8º
dia - 04/10 (sexta-feira)
Dia especial pois eu ia assistir a minha
banda favorita – Black Sabbath. Destaque que este foi o meu presente de um ano
de casamento. Muito chique este meu marido.
Durante a tarde perambulamos pela vizinhança.
Prevenidos com a desventura do dia 02/10, compramos passaporte do metrô (ida e
volta) e levamos um cartão do hotel.
Como ficamos na arquibancada pudemos apreciar
o show de forma mais confortável, tendo a Cordilheira como pano de fundo.
Os imortais sagrados do rock fizeram um
espetáculo eletrizante, sem grandes efeitos pirotécnicos ou mecânicos, apenas
executaram os seus maiores sucessos e extasiaram a plateia.
Saímos com rapidez para garantir o
transporte, mas surpreendentemente o metrô encerrou o serviço mais cedo e lá
ficamos nós, novamente, perdidos.
Aguardamos por horas sem conseguir entrar nos
ônibus e os táxis não paravam. Lá pelas 3 horas eu estava exausta e pensando no
por que mesmo não tínhamos ido de moto? Nessa altura lembramos de telefonar
para o hotel que gentilmente nos enviou um táxi e assim encerramos a nossa
passagem por Santiago.
9º dia - 05/10 (sábado)
Tomamos o último desjejum no hotel e eu
caprichei nos cereais e café preto, apesar do Cássio alertar para o sobrepeso
na Fiona.
Rumamos sentido litoral por estradas e serras
com vista ao Pacífico. Um panorama lindo. De um lado as montanhas desérticas e
do outro os penhascos que levam ao oceano que arrebenta com força nas rochas.
Sob uma temperatura agradável e céu azul
entramos na Vinã del Mar. Local de veraneio, chique e bonito. Encostamos a moto
em um dos bolsões de estacionamento de frente ao mar e fomos olhar a praia e os
monumentos. Na região é proibido entrar na água, acredito que seja pela
profundidade, mas havia algumas pessoas descansando na areia ou fazendo
atividade física, crianças brincando e carros de luxo estacionados. Paramos em
um quiosque para beber um refrigerante e fotos.
Enquanto eu observava o Pacífico alegremente
também éramos observados alegremente, só que por ladrões oportunistas, que
arrombaram a mala da Fiona, roubaram a minha bolsa com todos os meus pertences.
Quando chegamos e constatamos o fato paramos uns transeuntes para pedir
socorro. Como estávamos muito agitados e irritados esquecemos todas as poucas
palavras em espanhol que sabíamos e eu agitava tanto os braços e as mão para me
fazer entender que a chilena perguntou se eu era italiana. Foi até engraçado e
acabou relaxando um pouco a tensão.
Eu fiquei lembrando da minha família fazendo piadas
sobre a forma como eu gesticulo ao falar, coisa que eu sempre nego e talvez
(apenas talvez) eles tenham razão.
Com ajuda fizemos uma ocorrência junto à polícia
local e até pensamos em abortar a viagem, mas ao invés disso acabei comprando 2
peças de roupa em promoção, já que nada me agradava, pois como relatei os
chilenos tem um gosto duvidoso para se vestir, abastecemos a moto e seguimos
para La Serena.
Ao passar pelo pedágio demorei para calçar as
luvas e uma voo pela estrada, sob efeito da frustração tive um momento de fúria
e comecei a gritar para que o Cássio parasse a moto e fosse regatar a peça, mas
é claro que o vento decidiu brincar e carregou-a para o infinito e além.
Os contratempos custaram não somente minhas
roupas e nossa tranquilidade como também consumiu algumas horas, de forma que
mais uma vez pilotamos durante a noite e só chegamos ao centro de La Serena
tarde, rodamos pelas ruas e reparamos em pontos que pareciam de prostituição,
com um público e oferta bem diversificada, o que dificultou a localização de uma
pousada.
De forma que paramos aleatoriamente em um
hotel, tendo como único critério ter garagem para a moto. O quarto era grande e
confortável, mas para acessá-lo tivemos que enfrentar vários degraus carregando
as malas. O Cássio foi guardar a Fiona no local indicado que ficava em outra
rua, mas voltou rapidamente, pois a chave entregue pela recepcionista não abriu
o cadeado e devido o adiantamento da hora a vizinhança estava muito sinistra.
Após resolver o mistério da chave nos recolhemos e eu comecei a enfrentar meu
drama: o que vestir? O jeito foi usar as cuecas e camisetas do Véio. Nesse
momento eu e o Cássio fizemos um pacto de jamais revelar que eu estava de cueca...opa
acabei de contar. Legal, acho que já superei o trauma de me sentir menos
feminina.
E mais uma vez só jantamos bolachinha e
barrinhas de cereais.
10º dia - 06/10 (domingo)
Partimos cedo e nem vimos a vila. A maioria
das refeições fizemos em lojas de conveniência dentro dos postos de gasolina,
mas tudo bem o café chileno é forte e saboroso. Combina com o clima seco e frio
da região.
Rumamos para Copiapó por estradas pouco
atraentes, mas diferente das outras vezes chegamos com dia claro, procuramos
hospedagem e acabamos ficando em uma onde conseguimos negociamos em dólares
para baratear a diária.
O local tinha um visual de boate da década de
80, com espelhos nas paredes azuis escuro e laranja além de penduricalhos nos
cantos e música suave. O quarto pequeno e o banheiro minúsculo eram decorados
de forma similar ao resto do estabelecimento e o acesso era obviamente por
escadas.
Passeamos a pé pela vila e almoçamos dentro
de um shopping um prato gordurento a base de carne picada com ovos fritos e
cebolas. Deste ponto víamos a Cordilheira o que renovou nossos ânimos para a
viagem.
11º
dia - 07/10 (segunda-feira)
O café da manhã foi simples, a base de suco
de laranja e pão com frios, que garantiu-nos um bom despertar.
Seguimos por estradas planas, retas, cercadas
de terra árida e alaranjada, sob um vento gelado. Paramos no Park Pan de
Azucar, lemos os panfletos e conhecemos um pouco da história do local. Ficamos
pouco tempo no parque, pois no local não tem água, sendo assim é proibido usar
os banheiros.
A temperatura subiu bastante ao longo dos
quilômetros e a ventania zumbia nos nossos ouvidos. Talvez devido a monotonia
da paisagem e ao calor o Véio começou a sentir sonolência e surpreendentemente
ele parou a moto e me passou o comando da máquina. Eu aceitei rapidinho, mesmo
imaginando que tal atitude fosse resultado de insolação ou inanição.
O primeiro desafio foi segurar a Fiona para o
Cássio subir, pois a moto é alta e requer certo treinamento para montar sem
derrubar tudo. Superado a etapa, dei partida, engatei a marcha e....deixei o
motor morrer, consequentemente a moto começou a inclinar e eu a gritar: -
Segura, segura! Nem imagino como o Cássio saltou tão rapidamente da garupa e me
apoiou. Na nova tentativa eu plantei os pés fortemente no chão, deitei o peito no
tanque, liguei a ignição e acelerei, a moto balançou mas desta vez saiu.
Rapidamente entrei na estrada e por uns 30 emocionantes quilômetros fui senhora
do meu destino. É fabulosa a sensação de pilotar. Acabou rápido a minha
alegria, pois nos aproximamos de um pedágio e devido a minha inexperiência como
piloto o Cássio reassumiu.
Na sequência desviamos por uma via secundária
sem pavimentação e chegamos até uma escultura muito legal e impressionante
chamada La Mano del Disierto. Infelizmente a obra está pichada e cheirava a
banheiro público.
Depois de algumas horas chegamos em
Antofagasta. Cidade grande, portuária e movimentada. Interessante que por toda
as vias há placas de alerta de tsunami.
Procuramos o hotel da rede Íbis mas estava
lotado e novamente circulamos pelas ruas em busca de acomodações. Conseguimos
vaga em lugar aconchegante e pequeno, mas sem escadas, o que foi uma novidade
na viagem, decorado com uma tapeçaria linda feita com pelos de alpaca. O quarto
era pequeno e eu fui direto tomar banho para tirar a poeira. Abri as torneiras
e não reparei que a cortina do reservado estava fora do box, assim a água foi
trasbordando pelo banheiro e invadiu o dormitório, molhando tudo pelo caminho.
Solicitei a recepcionista que secasse o local e a mulher veio com um paninho de
uns 30 centímetros e quando se deparou com a inundação começou a resmungar,
ainda bem que eu não entendo espanhol, mas posso imaginar do que se tratava, de
forma que mantive minha expressão pura e ingênua de turista.
Precisávamos sacar dinheiro e fomos até uma
agência do Banco Itaú mas não conseguimos fazer a operação, contudo a funcionária
muito prestativa emprestou o computador pessoal do caixa para o Cássio que iniciou
a transação, só que o sistema tem um mecanismo de segurança e o Véio esqueceu a
chave no quarto de hotel. Foi até engraçada a expressão no rosto da bancária,
onde podíamos ler claramente – turista burro. Negociamos o nosso retorno com a
moça, pegamos a chaveta, voltamos ao banco e efetuamos a operação com sucesso.
A noite saímos para jantar e entramos em um
mercado antigo com alguns restaurantes, escolhemos um onde comemos uma
comidinha saborosa com jeito de caseira e higiene duvidosa sob um clima bem
agradável.
12º dia - 08/10 (terça-feira)
Não me lembro o porquê, mas nesse dia os
nossos ânimos estavam alterados, eu queria olhar e fotografar o balneário e o
Cássio apenas ir embora. Eu insisti e o Véio resmungando parou na praça, eu
olhei rapidamente o mar e retomamos a viagem.
Chegamos a San Pedro do Atacama e subimos até
a vila turística. Lugarzinho interessante com construções reproduzindo a
arquitetura nativa, feitas de barro e cobertas com palha, ruelas estreitas de
terra e uma igrejinha bicentenária com sinais da influência Espanhola e Inca.
Muitas lojinhas de artesanato (feito de forma industrializada), hospedagens e
agências de turismo (de propriedade de estrangeiros), e um único posto de
gasolina escondido.
Sob o calor desértico do meio dia paramos a
moto no estacionamento municipal e iniciamos a busca de uma pousada. Rodamos
por um tempinho, bebemos uma refresco de frutas exóticas – chicha morada, fomos
recusados em alguns hotéis, recusamos outros até que fechamos 3 diárias em uma
cabana sem tv, cozinha ou serviço de limpeza, sendo que este último item só
descobrimos ao longo dos dias, mas com água quente no chuveiro.
Contratamos um pacote para visitar os
principais pontos e ficamos circulando pelas lojas e restaurantes, em 15
minutos já tínhamos andado por tudo. Mas o que me impressionou foi o número
enorme de cachorros soltos, causando certo desconforto e insegurança.
13º dia - 09/10 (quarta-feira)
Na manhã fomos à Reserva Nacional Los Flamencos.
O berçário dos flamingos é uma lagoa bonita mas com cheiro forte, havia poucos
turistas e menos aves ainda. Na sequência nos deslumbramos com as Lagunas
Miscanty e Miniques que promovem um contraste da água azul com as montanhas de
picos nevados.
Vimos vicunhas, zorros e a flora nativa. O
passeio incluía um almoço simples servido por nativos mais simples ainda.
Trocamos ideias com outros turistas e um
deles era muito simpático mas metido a filósofo (casado com uma estudante de
psicologia) e eu até tentei falar que estava de férias e que os problemas
sociais do brasil e do mundo não me interessavam, mas ele não entendeu e tagarelou
horas; e dois motoqueiros mineiros bem viajados
Paramos rapidamente em uma igrejinha
histórica e retornamos à vila.
Em busca de guloseimas perambulamos pela vila
e repentinamente o Cássio lembrou que não tinha pagado a bebida do dia anterior
e fomos lá acertar a conta com a moça da barraquinha. Apesar da nossa boa
intenção foi difícil esclarecer a situação, quanto mais falávamos o nosso
portunhol mais assustada a vendedora parecia, no final o Véio comprou mais uma
bebida, pagou por duas e fomos embora sem mais explicações.
Enquanto passeávamos pelo comércio ouvimos um
estrondo familiar - ronco de muitas motos possantes. Seguimos o som e vimos
umas 10 motos vindo pela contra mão na rua estreita. Constatamos que os
visitantes eram brasileiros e enquanto eles manobravam nós tentamos contato. O
Cássio parecia criança tentando chamar a atenção dos motoqueiros, apontando
para si mesmo é dizendo: - Olha eu também tenho moto! É uma BMW igual a de
vocês...sou brasileiro...mas só um deu atenção e por alguns segundo, já que os
demais companheiros deram o comando de partida. Não vimos mais os mototuristas
pela região.
O tempo passava lentamente na vilazinha. Escurece
cedo no deserto e o comércio segue fechando as 21 horas, assim comemos uma
pizza de massa fina sabor camarão, com 01 camarão sobre o molho. Em uma próxima
vez vamos escolher um sabor no plural.
14º dia - 10/10 (quinta-feira)
Com o silêncio e conforto da cabana tivemos
um sono revigorante. Lavei algumas pecinhas de roupa, comemos pães com frios,
suco e relaxamos.
Para o próximo passeio eu precisava de roupa
de banho e, também, agasalhos, já que as minhas tinham sido furtadas. Comprei uma
calça justa forrada de pele artificial e um biquíni com beiradinhas rosa bem
fora do meu estilo chique e discreto.
Seguimos de van à Solar Laguna Cejar já no
finalzinho da tarde. A primeira parada foi na Laguna Piedra, uma lagoa impressionante
que possui uma alta concentração de sal e devido ao horário estava aquecida o
suficiente para um mergulho. Eu fiquei apenas com os pezinhos dentro da água e
mesmo assim o sal machucou minha pele. Um turista carioca valentão mergulhou de
cabeça, apesar da contraindicação do guia e saiu da água rapidinho parecendo
uma lagosta.
Seguimos para outras duas lagoas de formato
circular, uma com água salgada, pois em outras eras o local era submerso pelo
oceano, em que é possível nadar, e a outra com água doce resultante do degelo
trazida pelos lenções freáticos proibida para banhistas.
Assistimos a um pôr do sol magnífico na
margem oposta das lagunas, bebericando Pysco e comendo amendoim. Como atração
aparte havia um grupo de coreanos alegrinhos que a cada dose da bebida riam mais
ainda e davam gritinhos.
Nesta noite jantamos em um restaurante bem
legal um delicioso salmão com batatas e arroz.
15º dia - 11/10 (sexta-feira)
Para ver o gêiser em seu esplendor saímos de
San Pedro às 04 horas da manhã. Fomos avisados que a temperatura no parque fica
muitos graus abaixo de zero, assim vestimos todas as roupas que tínhamos, e não
era só história para impressionar turista, os termômetros marcaram 8 graus
negativos.
Durante o percurso dormimos um pouco no
ônibus e chegamos ao amanhecer. Circulamos pelos gêiseres tentando entender as
explicações da guia sem sucesso. O Véio começou a se ressentir da altitude e
voltou para o carro com tontura e zumbido nos ouvidos, e eu como boa
companheira fiquei ao seu lado. O passeio incluía dejejum composto por
lanchinho de queijo, achocolatado e ovos aquecidos nas termas formadas pelo gêiser,
ainda, banho na piscina aquecida a 35 graus, contudo a logística era muito
difícil - desvestir as roupas sob um
frio de menos zero, entrar na água quente a 35 graus e sair molhada no frio
menos zero, não é pra mim, gosto de conforto, comodidade e privacidade. O que
dizer, sou mimada mesmo!
Posteriormente o Cássio culpou o ovo cozido
pelo seu mal-estar.
Seguimos até uma comunidade formada por 30
pessoas, sendo que metade estava fora a trabalho, mas com sinal de telefonia
forte, e lá eu comi um delicioso empanado de carne de lhama. Quentinho,
cheiroso e macio, pesando cerca de 600 gramas. Tirei a barriga da miséria,
tanto que comprei outro para o café da manhã. O Cássio ficou com um espetinho
sem glamour acompanhado de um chá de ervas inomináveis e refrigerante de
laranja, que ele garante foi o que o curou do mal da atitude.
De volta à cabana dormimos um pouco pois
tínhamos mais um passeio agendado, mas antes saímos a procura do posto de
combustível. Rodamos pelas ruelas e já estávamos acreditando que o serviço
local era mito, quando percebemos uma entradinha camuflada entre os portões de
um hotel. Abastecemos a moto e trocamos dinheiro com o frentista, mais barato
que pelas vias tradicionais.
Em determinado momento ouvimos barulho dentro
do quintal, vozes e conversas em português. Abrimos a porta e nos deparamos com
brasileiros, de São Bernardo do Campo. Entabulamos conversa, trocamos
experiências e marcamos um jantar para aprofundar o contato.
No período da tarde fomos até o Vale da
Morte, que na verdade deveria chamar Vale de Marte, devido as características
similares às fotografias de Marte tiradas pela NASA. Problemas de tradução,
segundo os nativos.
O terreno é árido, íngreme com vales e
crateras. Na formação rochosa há uma caverna explorada onde não bate luz, de
forma que eu me recusei a entrar e o Cássio ficou ao meu lado, pois tenho
claustrofobia. Muito fofo esse meu marido. Encerramos o dia apreciando mais um pôr
do sol, que no deserto é sempre um espetáculo único.
No jantar nos reunimos com os colegas de
hospedagem, conversamos e acertamos que de volta ao Brasil manteríamos contato.
16º dia - 12/10 (sábado)
Partimos cedo sob um sol fraquinho e
temperatura baixa sentido Argentina.
A estrada serrana estava parcialmente
congelada, com pontos branquinhos e lindos, o que nos surpreendeu, pois
esperávamos um clima ameno, parecido com o vivenciado em San Pedro. A medida
que subíamos o frio começou a nos castigar. O termômetro da Fiona batendo menos
zero. Paramos no meio do nada para eu vestir mais uma blusa, na verdade o meu
único agasalhos não roubado, contudo o Véio insistiu em permanecer como estava,
acho que o frio já atingira nossos ossos também tinha paralisado do cérebro
dele. Os dedos do Cássio estavam enregelados, mesmo com o aquecedor de manopla
ligado. Até respirar era difícil naquela geladeira, além da altitude que
pressionava a cabeça. Só mais tarde o Cássio fez outra parada para vestir mais
roupas.
O vento e o frio fizeram que diminuíssemos o
ritmo para tentar compensar o desconforto. Quando paramos na fronteira tivemos
que ficar uns 15 minutos sentados na recepção absorvendo o calorzinho do
aquecedor antes de conseguirmos mobilidade nas mãos para assinarmos os
documentos de imigração.
Na fila havia uma família chilena tratando
dos papeis para entrar na Argentina, o que não seria estranho se todos não
estivessem trajando roupas curtas, mais próprias para o verão brasileiro do que
atravessando geleiras.
Resolvido a burocracia saímos e fomos
atingidos pelo ar gelado, devido o impacto o Veio deixou cair uma luva que foi
levada pelo vento, eu tentando ser prestativa corri para resgatá-la, mas a
pecinha voou por baixo da cancela e partiu para a Argentina. Eu comecei a
perseguir a luvinha desgarrada, arrastei-me de baixo da mesma cancela sob o olhar
curioso do carabineiro armado e do Cássio, cai de joelhos e peguei a fujona. Já
mais equilibrada voltei sorridente ao Chile, mas desta vez pela passagem de
pedestre.
Continuamos o percurso em terras argentinas
que apesar de uma temperatura bem mais alta, ainda nos reservava uma surpresa –
uma serra com subidas e descidas, curvas sem proteção e cotovelos, trechos em
obras e sem pavimentação. Eu olhava aquele barranco e meu coração disparava, de
tão tensa esqueci de fotografar a paisagem, nem mesmo quando o Véio deu uma
reduzida no mirante construído no ponto mais alto da rota – 4.100 m acima do
mar eu desgrudei da moto.
O Cássio disse que eu estava afetada pelas
condições adversar das primeiras horas da viagem, traduzindo: a pista não era
ruim ou perigosa, ele adorou o desafio do traçado e eu sou chata.
Abastecemos, tomamos um café e seguimos até
um restaurante para uma refeição já no meio da tarde, neste ponto encontramos
um grupo ruidosos de motoqueiros brasileiros que estavam indo para o Chile em
seu passeio anual intitulado – Salgando o Saco, trocamos impressões, ganhamos
um adesivo e saímos sentido a cidade de Salta.
A Gabriela que tinha trabalhado bem pouco
durante a viagem decidiu deixar sua marca e nos indicou um caminho alternativo,
de forma que pegamos a Ruta Federal 09
no trecho serrano que passa pelo meio de montanhas lindíssimas, toda
arborizada, tão estreita, embora seja mão dupla, que em vários pontos passa
apenas um veículo, sem acostamento ou sinal de telefone. Por 50 quilômetros, a
baixa velocidade, cruzamos riachos e tomamos uma chuva fraca. A 09 lembra a
Serra da Graciosa no Paraná - BR, sem, é claro, as hortênsias.
Chegamos ao centro comercial de Salta a
noite, nós e todos os interioranos, para festejar o final de semana largo
(feriado), de forma que os hotéis locais estavam lotados.
Enquanto circulávamos pelas ruas em busca de
hospedagem e uma agência bancária, já que nesta altura estávamos sem dinheiro e
a maioria dos comércios não aceitam cartões, mas as diversas tentativas foram
frustradas mesmo com auxílio do suporte ao cliente aqui do Brasil e funcionário
da Secretaria de Apoio ao Turista, sem contar que não havia local adequado ou
seguro para estacionar a moto carregada com as nossas bagagens, aí para coroar
o dia começou a chover.
Por fim acatamos a sugestão de uma
recepcionista que indicou uma senhorinha que alugava quartos em um bairro
afastado. Apesar da localização pouco acolhedora pernoitamos lá, pois estávamos
exaustos.
17º dia - 13/10 (domingo)
Na manhã voltamos ao centro da cidade para
resolver a questão do saque de dinheiro. Como era cedo as ruas estavam vazias e
as lojas fechas, mesmo assim buscamos estacionar a moto em espaço autorizado e
deparamos com uma agência do Itaú e sacamos diretamente do caixa eletrônico sem
estres.
Tomamos o café, abastecemos a Fiona, ligamos
o GPS e partimos. Contudo a Gabriela tinha acordado do avesso e selecionou uma
rota rustica, sem pavimentação. Em dúvida do caminho reprogramamos o aparelho,
mas o resultado foi o mesmo, assim encaramos o que inicialmente seriam um pouco
mais de 50 quilômetros, por uma estrada serrana de terra, utilizada
aparentemente por sitiantes a cavalo e talvez carros pequenos off road.
Seguimos firmes, em alguns trechos a moto deslizou
no barro, passou dentro de córregos e riachos. Alguns poucos nativos cruzaram
conosco, com ar surpreso acenavam e nós retribuíamos, mas quase todo o tempo
estávamos sozinhos. Eu tinha impressão que estávamos voltando tudo o havíamos
percorrido no dia anterior, só que pelo rascunho.
O longo percurso, o calor, a humidade e a
baixa velocidade foram me desgastando, mas assim mesmo estava bem divertido.
Contudo acho que em algum momento saímos da rota e já tínhamos rodado uns 80
quilômetros quando derrapamos no cascalho e caímos.
O impacto quebrou a mala e meu tornozelo. Tudo
ficou confuso, bem confuso..., tentamos organizar as ideias, avaliamos os danos
e o Cássio levantou a Fiona usando a técnica ensinada pela montadora, amarrou a
mala, colocou-me na garupa e deu partida, mas com a adrenalina bombeando e o
terreno arisco a moto acabou tombando novamente. Aí não teve jeito, eu fiquei
deitada no chão, sem forças.
O Véio sacou o telefone para procurar ajuda,
mas não tinha sinal. Ficamos ali sob o sol um bom tempo na expectativa de
passar alguém. O primeiro carro parou mas não nós ajudou, penso que a bizarrice
da situação assustou os argentinos.
Posteriormente um casal acompanhado pela neta
parou. Não sei se em função da barreira da língua ou se por que era domingo e
os nativos estavam de folga rumo a um piquenique familiar, eles demoraram
bastante para perceber a nossa urgência em receber socorro médico. Conversamos,
ouvimos historinhas, recebemos água e até um franguinho assado para comermos.
Fui levada a uma Unidade de Saúde em uma vila
rural pelo gentil casal, com o Cássio de moto vindo na nossa cola. A enfermeira
local ficou bem irritada quando viu a minha situação, esclarecendo que não
tinha recursos para fazer a avaliação que o caso requeria, assim o Cássio foi
até o posto policial lá perto e os funcionários chamaram uma ambulância que me
transportou para o Hospital Público Municipal.
No PS fui muito bem assistida pela equipe que
constatou 02 fraturas no meu tornozelo direito.
Nesse ponto começou a nossa saga, pois a
seguradora informou que não estávamos cobertos na Argentina e que só
receberíamos assistência quando cruzássemos a fronteira para o Brasil.
Reclamamos, apelamos, intimidamos, imploramos mas nada. O corretor de sinistro,
de forma implacável, respondia: - Senhor, atente-se a clausula da sua apólice!
Reservamos um hotel nas imediações do PS para
descansar e planejar nosso retorno ao Brasil, o mais rápido possível,
considerando as condições.
A partir do dia 14 até dia 19 de outubro vou
contar as ocorrência sem distinção dos dias, já que, de uma forma geral, a
aventura de moto tinha acabado. Só desejávamos voltar para casa, esganar a
corretora de seguros para eu, enfim, começar o meu repouso absoluto indicado
pelo médico argentino.
Frente a situação buscamos alternativas de
transporte. Primeiro contratamos um táxi até a rodoviária, onde pegamos um
ônibus semi-leito, rodamos uns 140 quilômetros e devido à falta de espaço
adequado meu pezinho ficou dependurado, causando grande incômodo até o aeroporto
de Salta, lá não havia linha aérea direto para o Brasil, apenas com conexão
para Buenos Aires – São Paulo, com intervalo de 14 horas, pior ainda, não teria
vaga nos voos pelos próximos dois dias. Também não há ônibus, trem ou barco via
Brasil.
A falta de opções começou a me deixar
angustiada, assim num arroubo decidimos montar na moto e rodar até a fronteira
brasileira e de lá acionar novamente a seguradora. Foram horas estranhas e
duras, apenas com paradas estratégicas para abastecimento, alimentação e
pernoite, e após 1.500 quilômetros chegamos em Urugauiana - Brasil, cansados
mas bem. Não posso dizer o mesmo do meu anjo da guarda, que já deve estar no 5º
reserva.
Da praça mesmo, onde eu fiquei estendida no
banco, telefonamos para a seguradora que enviou um guincho para a moto e
enquanto aguardávamos as demais providência fiquei no pátio da Igreja Santana,
amparada pela secretária da paróquia.
Eu estava tão contente por pisar em terras
brasileiras que mais nada me irritava. Nem a demora para o nosso translado ou
na localização de um quarto ou na distância até a cidade de Santa Maria feita
de ônibus ou a espera na pequenina sala do aeroporto ou a falta de teto em
Porto Alegre, pois em fim chegamos à Mauá. E tenham certeza, nenhum lugar é melhor
que o Brasil e melhor ainda é a minha casa.
Essa viagem além de enriquecer a minha vida
trouxe um bônus imprevisto, pois como comi mal, pouco e suei bastante acabei
perdendo quase 5 quilos...mas não comemorem já recuperei tudo e um pouco mais
nesses 60 dias de repouso. Paciência! Fiquei com uma experiência internacional
inesquecível e com uma nova proposta de ano novo...EMAGRECER.
Bem acredito que cumpri minha tarefa contando
algumas partes da viagem, que apesar dos contratempos, na minha avaliação, foi
muito legal, positiva e instrutiva.
No início falei que não daria dicas para
outros aventureiros, mas à medida que fui escrevendo mudei de ideia, então vou
deixar algumas sugestões:
-
Planeje
conjuntamente a viagem com todos os integrantes;
- Viaje
em grupo que é mais divertido e seguro;
- Leve
dinheiro (especie) além dos cartões de débito, crédito e
pré-pagos, pois muitos lugares não aceitam cartões;
- Leve
roupas descartáveis;
- Faça
ampliação do perímetro do seguro contra acidentes, roubo etc., e certifique-se
que consta na apólice;
- Compre
lembrancinhas no início e ao longo de todo o passeio, nunca deixe para última
hora;
- Aprenda
o idioma local (pelo menos um pouco) ou inglês (fluente);
- Tenha
sempre água para beber;
- Não
perca de vista as bagagens ou a moto e fique atento ao ambiente, prevenindo
assim roubos, furtos, multas, perdas de objetos etc.;
- Registre
diariamente os fatos importantes, pois depois fica tudo meio embaralhado;
- Não
tenham receio de viajar, pois é muito bom para alma, para o corpo e rejuvenesce.