sábado, 28 de dezembro de 2013

DRAGÕES NO DESERTO




O texto que eu vou escrever não tem a pretensão de ser um guia ou referência para outros mototuristas que desejem percorrer os caminhos do deserto Chileno, mas sim, apenas contar alguns trechos das aventuras e desventuras de dois paulistas apaixonados por moto que decidiram conhecer as trilhas do Oceano Pacífico que banham a costa do Chile entre as Cordilheiras.
Mas esta história começa muito antes da nossa partida em 27/10/13. Em 2012 quando eu e o Cássio chegamos das nossas férias em Bonito – MT percebemos que podíamos ir além, que estávamos prontos para nos aventurarmos no exterior.
Então começamos a planejar o passeio. Convidamos os amigos e marcamos para novembro de 2013. Ao longo do ano, contudo, muitas mudanças aconteceram, em especial a antecipação da data para outubro devido a uma agenda no meu trabalho e a turnê do maravilhoso Black Sabbath, a substituição da moto que foi roubada por uma mais moderna e a impossibilidade dos colegas em nos acompanhar.
Fechado o período da viagem iniciamos o que talvez tenha sido o nosso maior desafio: compactar a bagagem do Véio nas malas da Fiona.
Nesse ponto acho prudente fazer uma legenda básica a fim de facilitar o entendimento da narrativa:
. Fiona = Moto  BMW F800GS;
. Cássio = Véio, piloto, mandão, marido...;
. Lucilene = Lu, garupa, companheira admirável...;
. Chico = bagagem adicional coberta por um saco preto de plástico;
. GPS = Gabriela;
. Dragões = nome parcial do grupo.
Após a superação dessa etapa com ajuda de internautas, que indicaram lingerie descartável e camisetas velhas, fomos para a parte prática do planejamento já que a meta era ambiciosa – rodar 10.000 km em terras estrangeiras, ou seja, desenhar o roteiro, reservar os hotéis, mapear os postos de combustíveis, equipar a moto, trocar o dinheiro, ampliar a capacidade de registros fotográficos, adaptadores e etc., observem que eu falo no plural, mas quem conhece o Véio sabe que a minha participação no processo foi mínima, mas até aí tudo bem, ele costuma ser eficiente na organização e também muito sensível a críticas.
Assim vou me concentrar em narrar dia a dia, mas é possível que à medida que as lembranças surjam um assunto leve a outro e alguns fatos fiquem fora da ordem cronológica; olha... não sejam tão rigorosos comigo sou amadora nesse ramo, além disso estou digitando em uma máquina que tem vida própria e me odeia, acamada devido as fraturas no tornozelo que me deixam mal humorada e o Cássio fica dando pitacos, mas este já é o desfecho da história, viu o que eu falei sobre a ordem...
1º Dia – 27/09 (sexta-feira)
A previsão era sairmos às 8 horas, mas cheguei do trabalho perto das 13 horas. A Fiona estava carregada, o Cássio pronto e tão ansioso que fazia uns três dias que não dormia ou comia direito. A meta era chegarmos até Passo Fundo – RS, para pernoite a cerca de 1.000 km de Mauá. O Véio acelerou fundo, mas devido ao adiantado das horas motocamos durante a noite e assim violamos a primeira regra da nossa viagem – não viajar durante a noite.




 O Cássio começou a sentir os efeitos das mais de 30 horas sem descansar e o fato se refletiu no seu desempenho no controle da moto; e eu que tenho a fama de dorminhoca fiquei alerta, debruçada e cutucando-o até nosso destino. Agora eu sei como é ficar na garupa de uma moto esportiva e gente, na boa, prefiro o conforto das custom, sem contar que nada de comida ou bebidinha reconfortante até a chegada ao hotel por volta das 3 da manhã, onde beliscamos bolachas e água.

2º Dia – 28/09 (sábado)
Como atrasamos no primeiro dia consequentemente perdemos a hora da partida no segundo dia e fechar as malas era sempre um desafio que consumia quase uma hora, pois o Véio guardava um item e esquecia outro, precisava um peça e lá estava ela bem no fundo da mala, aí começava tudo novamente.
De volta à estrada fomos surpreendidos por uma ventania e chuva, momento ideal para usar minha capa nova de chuva. Toda equipada percorremos uns 30 quilômetros e a chuva promissora acabou, a temperatura subiu e eu comecei a assar dentro da roupa plástica. Fizemos uma parada rápida no meio da estrada para eu desvestir a blusa e amarrá-la no Chico. Após um tempo percebi um movimento na bagagem e tentei avisar o Cássio, mas ele como sempre minimizou o meu informe e apenas reduziu a velocidade, eu apalpei o Chico e não constatei nada, assim seguimos viagem. Na parada oficial para abastecimento percebi que na verdade o que eu tinha visto era a capa de chuva voando estrada a fora. À noite fiquei ligada no noticiário para saber se tinha acontecido algum acidente misterioso nas estradas sulistas do Brasil, onde testemunhas falassem de um vulto preto caído do céu que atrapalhou o tráfego e coisa e tal, mas nada ouvi, é claro que eu já estava na Argentina e isso pode ter interferido nas comunicações.
Nós combinamos que se chegássemos à fronteira argentina até às 17 horas atravessaríamos, caso contrário dormiríamos na divisa. Chegamos a tempo, preenchemos os papeis e entramos em terras argentinas rumo a um hotel vegano na cidade de Paraná.
As estradas argentinas são bem patrulhadas e fomos parados várias vezes para verificação dos documentos e das bagagens mesmo durante a noite.
Na primeira averiguação o gentil patrulheiro após nos liberar pediu dinheiro para ajudar na pintura da casinha. O pedido foi tão descarado que por alguns segundos ficamos aturdidos, mas recobramos o autocontrole e demos umas notas de pesos. Pela expressão do policial o dinheiro oferecido equivale a uns 10 reais e não o agradou muito. Fizemos cara de turista burro, sorrimos, montamos na moto e saímos acenando.
Estávamos mega cansados após muitas horas de pilotagem, ressentidos com o frio e eu faminta já que o Cássio ainda estava me mantendo na dieta das supermodelos de passarela – conhecida como jejum total.
No local fomos recebidos cordialmente por uns naturalistas sorridentes e enquanto o Véio nos registrava com seu portunhol sofrível eu fui fazer um reconhecimento do local.
O hotel fica instalado em uma antiga área (desativada) de espera da ferrovia, inaugurada em 25 de maio de 1872, linda e charmosa. Atravessei a rua para fotografar e estava distraída com a paisagem quando ouvi barulho de patas batendo na rua e fiquei paralisada. Para meu desespero um enorme cachorro vinha correndo desabalado em minha direção, para quem possa estranhar a minha reação eu morro de medo de cachorro (grandes, pequenos, acorrentados, peludos etc.), e o Véio de papo com os hippies argentinos sem nada perceber. Para piorar, o cão trazia um osso na boca e resolveu roê-lo em frente à porta do hotel, impedindo-me de entrar no mesmo. A fera me olhava e lambia o petisco. E eu com o coração na boca, pensando.... Vou morrer já que não sei falar espanhol! Mas nada aconteceu, o bicho mordiscou a prenda, voltou pelo mesmo caminho e sumiu, e eu, claro, entrei no hotelzinho.
O quarto do hotel, simples e pequeno, ficava no segundo andar e lá fomos nós escadas acima com todas as malas. Após o banho eu me deitei e o Cássio foi à busca de uma refeição, não encontrou, mas eu soube posteriormente que ele bebeu cerveja artesanal o que lhe deu vantagem, pois eu fiquei apenas com barrinhas de cereal e água. Mais tarde fiquei pensando que ao invés de fugir do cachorro eu deveria é ter pegado o osso dele.

3º Dia 29/09 (domingo)
Depois do café da manhã saudável e levem, próprio para um coelho, o Véio foi tirar a moto do estacionamento e apesar do portão ter mais de um metro de largura ele raspou a lateral da moto, aí tivemos de acelerar a nossa saída, afinal o portão é centenário, provavelmente uma relíquia e não queríamos alimentar a animosidade entre brasileiros e argentinos.
Seguimos rumo à Mendonza, por muitas centenas de quilômetros através de uma estrada reta, plana, seca, fria, sem atrativos qualquer, sem alma viva, monótona e chatinha, só animava quando já de noite ultrapassávamos algum caminhão e este acendia os faróis altos que lembravam naves espaciais e nós cegavam momentaneamente. Percebemos mais tarde que a farolada era uma resposta ao farol da Fiona que devido ao excesso de bagagem estava desregulado.
Após algumas paradas obrigatórias a Gabriela nós orientou a pegarmos uma nova rota que passa por áreas urbanas baixando assim o ritmo da viagem. Uma curiosidade da Argentina, todas as praças públicas possuem uma imagem de santo católico, fortemente protegida por grades e vidro, assim fiquei pensando se as pessoas querem rezar ou se o governo quer que as pessoas rezem.
As pequenas cidades vista rapidamente pareciam simples, rústicas e organizadas, muito parecidas entre si. Enquanto passávamos por San Francisco reduzimos para eu fotografar a unidade da empresa ZF em homenagem ao nosso amigo Adalberto, quando fomos abordados por um guarda da província.
O mau profissional argumentou que tínhamos avançado um farol vermelho e por esse motivo ia aplicar uma multa, além disso, considerando que era domingo e havia histórico de turistas que saíam do pais sem pagar, ia apreender a moto como garantia. Na verdade estávamos entendendo bem pouco do que o homem falava, mas havia uma certeza: ele blefava descaradamente sobre nossa infração e as regras. O fato se confirmou quando o representante da lei vergonhosamente propôs nos fazer o favor de ignorar à situação e nos liberar por 500 pesos. Já bastante frustrados e irritados com a cara de pau do fardado, continuamos a fingir problemas com a comunicação e informamos que possuíamos apenas dinheiro para os pedágios, combustível e alimentação, pois a maioria dos estabelecimentos comerciais não aceitavam cartão de crédito/débito e negociamos nossa liberação por 200 pesos.
Seguimos pela estrada e a paisagem foi mudando radicalmente. Havia iluminação, casas e comércios. Dessa forma, sob uma luz intensa, chegamos à bela cidade de Mendonza, nos hospedamos e descansamos.

4º dia 30/09 (segunda-feira)
De manhã, durante o desjejum, finalmente fiquei frente a frente com comida farta. Agendamos um passeio às vinícolas, mas antes tínhamos que encontrar uma casa de câmbio e assim fomos ao shopping. O conjunto de lojas e praça de alimentação é exatamente como aqui no Brasil e os frequentadores também. Impressionante quantas pessoas aparentemente desocupadas e despreocupadas circulavam pelo local.  Observei outros detalhes no comportamento dos argentinos: que são vaidosos, muito machistas, esnobes e, detesto reconhecer, magros e extremamente elegantes.
No ônibus turístico entabulamos conversa com três gaúchos, sendo que um já tinha percorrido muitos locais de moto e passou algumas dicas quanto aos cuidados com a péssima qualidade da água, os patrulheiros e suas eternas reformas, postos irregulares de abastecimento e etc.   
A guia falou em espanhol e inglês, apesar da maioria ser brasileiros e ter apenas uma moça inglesa, ou seja, assim entendi parcialmente as instruções, mas também não me interesso por vinhos ou a arte de fazê-los, só fiquei em alerta quando ouvi a palavra chocolate. Registrei ainda que aos nobres vinhos eram acrescidos pinho (madeira) e desejando exibir meus recente conhecimentos ao Cássio expus a minha teoria da origem do termo dos distintos sabores amadeirados nos vinhos. Nem tinha acabado de falar e o Véio já gargalhava, passado uns minutos de puro constrangimento ele me lembrou que em castelhano o som de V soa como P, então pinho era apenas vinho mesmo. É claro que toda vez que algo ou alguém fazia uma referência sobre vinhos lá estava o Cássio com um sorrisinho irônico estampado no rosto.
Nas duas vinícolas visitadas a situação foi parecida, muita propaganda, degustação e turistas comprando o produto como se fosse uma raridade.
Na fábrica de chocolate, onde também tinha licores, doces, pães e patês, foi uma festa, pois já passeávamos a muitas horas e estávamos com fome (alguns mais alegres devido ao vinho) e quando a demonstradora serviu as amostras avançamos e em segundos só havia farelos sobre a mesa. Para compensar todos compramos coisinhas na lojinha.

5º dia 01/10 (terça-feira)
Só com o café da manhã no estômago pegamos a estrada rumo ao Chile, que se revelou no trecho mais recompensador da viagem. Local lindo, margeado pela Cordilheira parcialmente congelada. Estávamos bem agasalhados e munidos com as máquinas para fotografia e filmagem, além de felizes por sair da Argentina e ficar longe de seus homens da lei, e eu já com fome, na expectativa de comer o chocolate guardado na bolsa.
O local estava bem movimentado, principalmente por caminhoneiros, devido ao agito o Cássio perdeu a entrada e foi direto à guarita, a argentina/chilena que liberava a cancela nos olhou como se fossemos lunáticos e rapidamente demos meia volta, vai que além do olhar mortal ela tivesse uma carabina.
Tínhamos lido que a fiscalização na fronteira era super rigorosa, revistam todas as malas e qualquer produto comestível perecível violado seria confiscado, assim, calculei que quando os fiscais abrissem as bolsas eu enfim comeria o meu chocolate. Mas é claro que os trabalhadores, até os caninos, estavam com tanto frio que nos liberaram apenas conferindo os documentos.
Já no Chile descemos pela estrada tortuosa conhecida como Caracolles, que estava em reforma, não tem guard rail e parece escorregadia, chegando após algumas horas na cidade de Los Andes. Paramos em uma pousada que servia uma maravilhosa refeição e eu fui apresentada ao mais delicioso pão que eu já comi e fiquei dependente, viciada mesmo naquela massinha crocante, principalmente enquanto quente.
Foi sem dúvida a melhor refeição de toda a viagem, até eu observar o nível de padrão de higiene no país e ai o encanto diminuiu.
A chegada à Santiago do Chile foi cerada de muita expectativa seguida de certa frustração. Eu esperava uma cidade cosmopolita, elegante, transpirando cultura e civilidade, mas me deparei com um local cheio de carros velhos, ar pesado e poluído, barulhento, transito caótico, muitas pessoas perambulando pelas ruas, vendedores ambulantes, pedintes e uma quantidade assustadora de cachorros soltos.
O hotel fica na região central e mais popular, próximo às estações de transportes públicos, o que concentra um expressivo número de transeuntes.
Depois de instalados saímos a pé para conhecer as redondeza, o que só confirmou a minha primeira impressão.

6º dia - 02/10 (quarta-feira)
Ficamos quatro dias em Santiago pois íamos para os shows do Iron Maiden no dia 02/10 e do Black Sabbath no dia 04/10, só que precisávamos retira o ingresso do segundo na casa de parentes de um comerciante chileno que mora no Brasil, conhecido de uma amiga que tem um lojinha perto do local onde eu trabalho, confuso né? Mas é isto mesmo. Os organizadores da turnê do Sabbath não faziam entrega para o exterior, assim recorremos à boa vontade de um total desconhecido.
Munidos do endereço e da Gabriela, localizamos rapidamente a casa, registramos em foto o encontro com os gentis chilenos e aproveitamos para conhecer a periferia.
Uns amigos que trabalham junto com o Cássio também estavam no Chile para assistir o Iron e circulamos pelo centro para procurá-los, não os encontramos, assim aproveitamos para conhecer o tradicional Mercado Central onde desperdicei dinheiro escolhendo para comer uma mariscada.
Próximo do horário do espetáculo locamos um táxi, sendo que o taxista considerou uma excentricidade o uso do cinto de segurança, apesar disso chegamos em segurança ao estádio e nos posicionamos no meio da pista, situação que durou até a entrada da banda Slayer. Já nos primeiros acorde começou a agitação, fomos empurrados e espremidos pela massa humana de cabeludos.
Quando enfim o Iron subiu ao palco foi pura energia. Mais de 60 mil fãs cantando, vibrando e pulando. Ao nosso lado um fanático muito afinado acompanhava cada palavra. Um outro, mais entretido com sua garrafinha de líquido esverdeado e cigarrinhas muito suspeitas, decidiu adotar o Cássio como seu melhor amigo, entabulava conversas, oferecia bebidinha e até nos presenteou com uma livre tradução das palavras de interação que o vocalista fazia com o público.
Na saída percebemos que o celular não tinha sinal e não conseguíamos um táxi. Conforme o tempo foi passando a polícia começou a esvaziar o local, prevenindo qualquer tumulto, pois no Chile é proibido consumir alcoólicos nas ruas após as 21 horas e, também, perambular sob efeito da droga, e nós sem saber como ir para o hotel, já que o Véio, responsável pela parte organizacional da viagem, não anotara o endereço do mesmo mas lembrava que era perto da rodoviária. Observamos ao longe um ponto de parada de ônibus e lá fomos, como já passava da 1 hora eu estava aflita e muito apertada para usar o banheiro. Consultamos o motorista que após contatar que éramos estrangeiros decidiu nos dar uma carona e avisar da proximidade da rodoviária. Entramos no coletivo vazio, que mais parecia um sucata, que foi lotando e lotando inibindo o condutor de falar conosco, assim cravamos os olhos no trajeto para descermos no local certo. Quando avistamos a avenida do hotel saltamos, mas erramos a distância e tivemos que caminhar por mais de um quilómetro. E eu em uma profunda concentração na esperança de chegar até um banheiro sem nenhum acidente urinário.

7º dia - 03/10 (quinta-feira)
Neste dia não tínhamos qualquer programação e fomos passear pela cidade, ver os pontos turísticos, mas nada notório de destaque, a não ser o hot dog com creme de abacate e a Biblioteca Municipal. Voltamos ao Mercado e dessa vez fiz uma escolha mais saudável ao meu paladar.

8º dia - 04/10 (sexta-feira)
Dia especial pois eu ia assistir a minha banda favorita – Black Sabbath. Destaque que este foi o meu presente de um ano de casamento. Muito chique este meu marido.
Durante a tarde perambulamos pela vizinhança. Prevenidos com a desventura do dia 02/10, compramos passaporte do metrô (ida e volta) e levamos um cartão do hotel.
Como ficamos na arquibancada pudemos apreciar o show de forma mais confortável, tendo a Cordilheira como pano de fundo.
Os imortais sagrados do rock fizeram um espetáculo eletrizante, sem grandes efeitos pirotécnicos ou mecânicos, apenas executaram os seus maiores sucessos e extasiaram a plateia.
Saímos com rapidez para garantir o transporte, mas surpreendentemente o metrô encerrou o serviço mais cedo e lá ficamos nós, novamente, perdidos.
Aguardamos por horas sem conseguir entrar nos ônibus e os táxis não paravam. Lá pelas 3 horas eu estava exausta e pensando no por que mesmo não tínhamos ido de moto? Nessa altura lembramos de telefonar para o hotel que gentilmente nos enviou um táxi e assim encerramos a nossa passagem por Santiago.

9º dia - 05/10 (sábado)
Tomamos o último desjejum no hotel e eu caprichei nos cereais e café preto, apesar do Cássio alertar para o sobrepeso na Fiona.
Rumamos sentido litoral por estradas e serras com vista ao Pacífico. Um panorama lindo. De um lado as montanhas desérticas e do outro os penhascos que levam ao oceano que arrebenta com força nas rochas.
Sob uma temperatura agradável e céu azul entramos na Vinã del Mar. Local de veraneio, chique e bonito. Encostamos a moto em um dos bolsões de estacionamento de frente ao mar e fomos olhar a praia e os monumentos. Na região é proibido entrar na água, acredito que seja pela profundidade, mas havia algumas pessoas descansando na areia ou fazendo atividade física, crianças brincando e carros de luxo estacionados. Paramos em um quiosque para beber um refrigerante e fotos.
Enquanto eu observava o Pacífico alegremente também éramos observados alegremente, só que por ladrões oportunistas, que arrombaram a mala da Fiona, roubaram a minha bolsa com todos os meus pertences. Quando chegamos e constatamos o fato paramos uns transeuntes para pedir socorro. Como estávamos muito agitados e irritados esquecemos todas as poucas palavras em espanhol que sabíamos e eu agitava tanto os braços e as mão para me fazer entender que a chilena perguntou se eu era italiana. Foi até engraçado e acabou relaxando um pouco a tensão.
Eu fiquei lembrando da minha família fazendo piadas sobre a forma como eu gesticulo ao falar, coisa que eu sempre nego e talvez (apenas talvez) eles tenham razão.
Com ajuda fizemos uma ocorrência junto à polícia local e até pensamos em abortar a viagem, mas ao invés disso acabei comprando 2 peças de roupa em promoção, já que nada me agradava, pois como relatei os chilenos tem um gosto duvidoso para se vestir, abastecemos a moto e seguimos para La Serena.
Ao passar pelo pedágio demorei para calçar as luvas e uma voo pela estrada, sob efeito da frustração tive um momento de fúria e comecei a gritar para que o Cássio parasse a moto e fosse regatar a peça, mas é claro que o vento decidiu brincar e carregou-a para o infinito e além.
Os contratempos custaram não somente minhas roupas e nossa tranquilidade como também consumiu algumas horas, de forma que mais uma vez pilotamos durante a noite e só chegamos ao centro de La Serena tarde, rodamos pelas ruas e reparamos em pontos que pareciam de prostituição, com um público e oferta bem diversificada, o que dificultou a localização de uma pousada.
De forma que paramos aleatoriamente em um hotel, tendo como único critério ter garagem para a moto. O quarto era grande e confortável, mas para acessá-lo tivemos que enfrentar vários degraus carregando as malas. O Cássio foi guardar a Fiona no local indicado que ficava em outra rua, mas voltou rapidamente, pois a chave entregue pela recepcionista não abriu o cadeado e devido o adiantamento da hora a vizinhança estava muito sinistra. Após resolver o mistério da chave nos recolhemos e eu comecei a enfrentar meu drama: o que vestir? O jeito foi usar as cuecas e camisetas do Véio. Nesse momento eu e o Cássio fizemos um pacto de jamais revelar que eu estava de cueca...opa acabei de contar. Legal, acho que já superei o trauma de me sentir menos feminina.
E mais uma vez só jantamos bolachinha e barrinhas de cereais.

10º dia - 06/10 (domingo)
Partimos cedo e nem vimos a vila. A maioria das refeições fizemos em lojas de conveniência dentro dos postos de gasolina, mas tudo bem o café chileno é forte e saboroso. Combina com o clima seco e frio da região.
Rumamos para Copiapó por estradas pouco atraentes, mas diferente das outras vezes chegamos com dia claro, procuramos hospedagem e acabamos ficando em uma onde conseguimos negociamos em dólares para baratear a diária.
O local tinha um visual de boate da década de 80, com espelhos nas paredes azuis escuro e laranja além de penduricalhos nos cantos e música suave. O quarto pequeno e o banheiro minúsculo eram decorados de forma similar ao resto do estabelecimento e o acesso era obviamente por escadas.
Passeamos a pé pela vila e almoçamos dentro de um shopping um prato gordurento a base de carne picada com ovos fritos e cebolas. Deste ponto víamos a Cordilheira o que renovou nossos ânimos para a viagem.

11º dia - 07/10 (segunda-feira)
O café da manhã foi simples, a base de suco de laranja e pão com frios, que garantiu-nos um bom despertar.
Seguimos por estradas planas, retas, cercadas de terra árida e alaranjada, sob um vento gelado. Paramos no Park Pan de Azucar, lemos os panfletos e conhecemos um pouco da história do local. Ficamos pouco tempo no parque, pois no local não tem água, sendo assim é proibido usar os banheiros.
A temperatura subiu bastante ao longo dos quilômetros e a ventania zumbia nos nossos ouvidos. Talvez devido a monotonia da paisagem e ao calor o Véio começou a sentir sonolência e surpreendentemente ele parou a moto e me passou o comando da máquina. Eu aceitei rapidinho, mesmo imaginando que tal atitude fosse resultado de insolação ou inanição.
O primeiro desafio foi segurar a Fiona para o Cássio subir, pois a moto é alta e requer certo treinamento para montar sem derrubar tudo. Superado a etapa, dei partida, engatei a marcha e....deixei o motor morrer, consequentemente a moto começou a inclinar e eu a gritar: - Segura, segura! Nem imagino como o Cássio saltou tão rapidamente da garupa e me apoiou. Na nova tentativa eu plantei os pés fortemente no chão, deitei o peito no tanque, liguei a ignição e acelerei, a moto balançou mas desta vez saiu. Rapidamente entrei na estrada e por uns 30 emocionantes quilômetros fui senhora do meu destino. É fabulosa a sensação de pilotar. Acabou rápido a minha alegria, pois nos aproximamos de um pedágio e devido a minha inexperiência como piloto o Cássio reassumiu.
Na sequência desviamos por uma via secundária sem pavimentação e chegamos até uma escultura muito legal e impressionante chamada La Mano del Disierto. Infelizmente a obra está pichada e cheirava a banheiro público.
Depois de algumas horas chegamos em Antofagasta. Cidade grande, portuária e movimentada. Interessante que por toda as vias há placas de alerta de tsunami.
Procuramos o hotel da rede Íbis mas estava lotado e novamente circulamos pelas ruas em busca de acomodações. Conseguimos vaga em lugar aconchegante e pequeno, mas sem escadas, o que foi uma novidade na viagem, decorado com uma tapeçaria linda feita com pelos de alpaca. O quarto era pequeno e eu fui direto tomar banho para tirar a poeira. Abri as torneiras e não reparei que a cortina do reservado estava fora do box, assim a água foi trasbordando pelo banheiro e invadiu o dormitório, molhando tudo pelo caminho. Solicitei a recepcionista que secasse o local e a mulher veio com um paninho de uns 30 centímetros e quando se deparou com a inundação começou a resmungar, ainda bem que eu não entendo espanhol, mas posso imaginar do que se tratava, de forma que mantive minha expressão pura e ingênua de turista.
Precisávamos sacar dinheiro e fomos até uma agência do Banco Itaú mas não conseguimos fazer a operação, contudo a funcionária muito prestativa emprestou o computador pessoal do caixa para o Cássio que iniciou a transação, só que o sistema tem um mecanismo de segurança e o Véio esqueceu a chave no quarto de hotel. Foi até engraçada a expressão no rosto da bancária, onde podíamos ler claramente – turista burro. Negociamos o nosso retorno com a moça, pegamos a chaveta, voltamos ao banco e efetuamos a operação com sucesso.
A noite saímos para jantar e entramos em um mercado antigo com alguns restaurantes, escolhemos um onde comemos uma comidinha saborosa com jeito de caseira e higiene duvidosa sob um clima bem agradável.

12º dia - 08/10 (terça-feira)
Não me lembro o porquê, mas nesse dia os nossos ânimos estavam alterados, eu queria olhar e fotografar o balneário e o Cássio apenas ir embora. Eu insisti e o Véio resmungando parou na praça, eu olhei rapidamente o mar e retomamos a viagem.
Chegamos a San Pedro do Atacama e subimos até a vila turística. Lugarzinho interessante com construções reproduzindo a arquitetura nativa, feitas de barro e cobertas com palha, ruelas estreitas de terra e uma igrejinha bicentenária com sinais da influência Espanhola e Inca. Muitas lojinhas de artesanato (feito de forma industrializada), hospedagens e agências de turismo (de propriedade de estrangeiros), e um único posto de gasolina escondido.
Sob o calor desértico do meio dia paramos a moto no estacionamento municipal e iniciamos a busca de uma pousada. Rodamos por um tempinho, bebemos uma refresco de frutas exóticas – chicha morada, fomos recusados em alguns hotéis, recusamos outros até que fechamos 3 diárias em uma cabana sem tv, cozinha ou serviço de limpeza, sendo que este último item só descobrimos ao longo dos dias, mas com água quente no chuveiro.
Contratamos um pacote para visitar os principais pontos e ficamos circulando pelas lojas e restaurantes, em 15 minutos já tínhamos andado por tudo. Mas o que me impressionou foi o número enorme de cachorros soltos, causando certo desconforto e insegurança.

13º dia - 09/10 (quarta-feira)
Na manhã fomos à Reserva Nacional Los Flamencos. O berçário dos flamingos é uma lagoa bonita mas com cheiro forte, havia poucos turistas e menos aves ainda. Na sequência nos deslumbramos com as Lagunas Miscanty e Miniques que promovem um contraste da água azul com as montanhas de picos nevados.
Vimos vicunhas, zorros e a flora nativa. O passeio incluía um almoço simples servido por nativos mais simples ainda.
Trocamos ideias com outros turistas e um deles era muito simpático mas metido a filósofo (casado com uma estudante de psicologia) e eu até tentei falar que estava de férias e que os problemas sociais do brasil e do mundo não me interessavam, mas ele não entendeu e tagarelou horas; e dois motoqueiros mineiros bem viajados
Paramos rapidamente em uma igrejinha histórica e retornamos à vila.
Em busca de guloseimas perambulamos pela vila e repentinamente o Cássio lembrou que não tinha pagado a bebida do dia anterior e fomos lá acertar a conta com a moça da barraquinha. Apesar da nossa boa intenção foi difícil esclarecer a situação, quanto mais falávamos o nosso portunhol mais assustada a vendedora parecia, no final o Véio comprou mais uma bebida, pagou por duas e fomos embora sem mais explicações.
Enquanto passeávamos pelo comércio ouvimos um estrondo familiar - ronco de muitas motos possantes. Seguimos o som e vimos umas 10 motos vindo pela contra mão na rua estreita. Constatamos que os visitantes eram brasileiros e enquanto eles manobravam nós tentamos contato. O Cássio parecia criança tentando chamar a atenção dos motoqueiros, apontando para si mesmo é dizendo: - Olha eu também tenho moto! É uma BMW igual a de vocês...sou brasileiro...mas só um deu atenção e por alguns segundo, já que os demais companheiros deram o comando de partida. Não vimos mais os mototuristas pela região.
O tempo passava lentamente na vilazinha. Escurece cedo no deserto e o comércio segue fechando as 21 horas, assim comemos uma pizza de massa fina sabor camarão, com 01 camarão sobre o molho. Em uma próxima vez vamos escolher um sabor no plural.

14º dia - 10/10 (quinta-feira)
Com o silêncio e conforto da cabana tivemos um sono revigorante. Lavei algumas pecinhas de roupa, comemos pães com frios, suco e relaxamos.
Para o próximo passeio eu precisava de roupa de banho e, também, agasalhos, já que as minhas tinham sido furtadas. Comprei uma calça justa forrada de pele artificial e um biquíni com beiradinhas rosa bem fora do meu estilo chique e discreto.
Seguimos de van à Solar Laguna Cejar já no finalzinho da tarde. A primeira parada foi na Laguna Piedra, uma lagoa impressionante que possui uma alta concentração de sal e devido ao horário estava aquecida o suficiente para um mergulho. Eu fiquei apenas com os pezinhos dentro da água e mesmo assim o sal machucou minha pele. Um turista carioca valentão mergulhou de cabeça, apesar da contraindicação do guia e saiu da água rapidinho parecendo uma lagosta.
Seguimos para outras duas lagoas de formato circular, uma com água salgada, pois em outras eras o local era submerso pelo oceano, em que é possível nadar, e a outra com água doce resultante do degelo trazida pelos lenções freáticos proibida para banhistas.
Assistimos a um pôr do sol magnífico na margem oposta das lagunas, bebericando Pysco e comendo amendoim. Como atração aparte havia um grupo de coreanos alegrinhos que a cada dose da bebida riam mais ainda e davam gritinhos.
Nesta noite jantamos em um restaurante bem legal um delicioso salmão com batatas e arroz.

15º dia - 11/10 (sexta-feira)
Para ver o gêiser em seu esplendor saímos de San Pedro às 04 horas da manhã. Fomos avisados que a temperatura no parque fica muitos graus abaixo de zero, assim vestimos todas as roupas que tínhamos, e não era só história para impressionar turista, os termômetros marcaram 8 graus negativos.
Durante o percurso dormimos um pouco no ônibus e chegamos ao amanhecer. Circulamos pelos gêiseres tentando entender as explicações da guia sem sucesso. O Véio começou a se ressentir da altitude e voltou para o carro com tontura e zumbido nos ouvidos, e eu como boa companheira fiquei ao seu lado. O passeio incluía dejejum composto por lanchinho de queijo, achocolatado e ovos aquecidos nas termas formadas pelo gêiser, ainda, banho na piscina aquecida a 35 graus, contudo a logística era muito difícil -  desvestir as roupas sob um frio de menos zero, entrar na água quente a 35 graus e sair molhada no frio menos zero, não é pra mim, gosto de conforto, comodidade e privacidade. O que dizer, sou mimada mesmo!
Posteriormente o Cássio culpou o ovo cozido pelo seu mal-estar.
Seguimos até uma comunidade formada por 30 pessoas, sendo que metade estava fora a trabalho, mas com sinal de telefonia forte, e lá eu comi um delicioso empanado de carne de lhama. Quentinho, cheiroso e macio, pesando cerca de 600 gramas. Tirei a barriga da miséria, tanto que comprei outro para o café da manhã. O Cássio ficou com um espetinho sem glamour acompanhado de um chá de ervas inomináveis e refrigerante de laranja, que ele garante foi o que o curou do mal da atitude.
De volta à cabana dormimos um pouco pois tínhamos mais um passeio agendado, mas antes saímos a procura do posto de combustível. Rodamos pelas ruelas e já estávamos acreditando que o serviço local era mito, quando percebemos uma entradinha camuflada entre os portões de um hotel. Abastecemos a moto e trocamos dinheiro com o frentista, mais barato que pelas vias tradicionais.
Em determinado momento ouvimos barulho dentro do quintal, vozes e conversas em português. Abrimos a porta e nos deparamos com brasileiros, de São Bernardo do Campo. Entabulamos conversa, trocamos experiências e marcamos um jantar para aprofundar o contato.
No período da tarde fomos até o Vale da Morte, que na verdade deveria chamar Vale de Marte, devido as características similares às fotografias de Marte tiradas pela NASA. Problemas de tradução, segundo os nativos.
O terreno é árido, íngreme com vales e crateras. Na formação rochosa há uma caverna explorada onde não bate luz, de forma que eu me recusei a entrar e o Cássio ficou ao meu lado, pois tenho claustrofobia. Muito fofo esse meu marido. Encerramos o dia apreciando mais um pôr do sol, que no deserto é sempre um espetáculo único.
No jantar nos reunimos com os colegas de hospedagem, conversamos e acertamos que de volta ao Brasil manteríamos contato.

16º dia - 12/10 (sábado)
Partimos cedo sob um sol fraquinho e temperatura baixa sentido Argentina.
A estrada serrana estava parcialmente congelada, com pontos branquinhos e lindos, o que nos surpreendeu, pois esperávamos um clima ameno, parecido com o vivenciado em San Pedro. A medida que subíamos o frio começou a nos castigar. O termômetro da Fiona batendo menos zero. Paramos no meio do nada para eu vestir mais uma blusa, na verdade o meu único agasalhos não roubado, contudo o Véio insistiu em permanecer como estava, acho que o frio já atingira nossos ossos também tinha paralisado do cérebro dele. Os dedos do Cássio estavam enregelados, mesmo com o aquecedor de manopla ligado. Até respirar era difícil naquela geladeira, além da altitude que pressionava a cabeça. Só mais tarde o Cássio fez outra parada para vestir mais roupas.
O vento e o frio fizeram que diminuíssemos o ritmo para tentar compensar o desconforto. Quando paramos na fronteira tivemos que ficar uns 15 minutos sentados na recepção absorvendo o calorzinho do aquecedor antes de conseguirmos mobilidade nas mãos para assinarmos os documentos de imigração.
Na fila havia uma família chilena tratando dos papeis para entrar na Argentina, o que não seria estranho se todos não estivessem trajando roupas curtas, mais próprias para o verão brasileiro do que atravessando geleiras.
Resolvido a burocracia saímos e fomos atingidos pelo ar gelado, devido o impacto o Veio deixou cair uma luva que foi levada pelo vento, eu tentando ser prestativa corri para resgatá-la, mas a pecinha voou por baixo da cancela e partiu para a Argentina. Eu comecei a perseguir a luvinha desgarrada, arrastei-me de baixo da mesma cancela sob o olhar curioso do carabineiro armado e do Cássio, cai de joelhos e peguei a fujona. Já mais equilibrada voltei sorridente ao Chile, mas desta vez pela passagem de pedestre.
Continuamos o percurso em terras argentinas que apesar de uma temperatura bem mais alta, ainda nos reservava uma surpresa – uma serra com subidas e descidas, curvas sem proteção e cotovelos, trechos em obras e sem pavimentação. Eu olhava aquele barranco e meu coração disparava, de tão tensa esqueci de fotografar a paisagem, nem mesmo quando o Véio deu uma reduzida no mirante construído no ponto mais alto da rota – 4.100 m acima do mar eu desgrudei da moto.
O Cássio disse que eu estava afetada pelas condições adversar das primeiras horas da viagem, traduzindo: a pista não era ruim ou perigosa, ele adorou o desafio do traçado e eu sou chata.
Abastecemos, tomamos um café e seguimos até um restaurante para uma refeição já no meio da tarde, neste ponto encontramos um grupo ruidosos de motoqueiros brasileiros que estavam indo para o Chile em seu passeio anual intitulado – Salgando o Saco, trocamos impressões, ganhamos um adesivo e saímos sentido a cidade de Salta.
A Gabriela que tinha trabalhado bem pouco durante a viagem decidiu deixar sua marca e nos indicou um caminho alternativo, de forma que pegamos a  Ruta Federal 09 no trecho serrano que passa pelo meio de montanhas lindíssimas, toda arborizada, tão estreita, embora seja mão dupla, que em vários pontos passa apenas um veículo, sem acostamento ou sinal de telefone. Por 50 quilômetros, a baixa velocidade, cruzamos riachos e tomamos uma chuva fraca. A 09 lembra a Serra da Graciosa no Paraná - BR, sem, é claro, as hortênsias.
Chegamos ao centro comercial de Salta a noite, nós e todos os interioranos, para festejar o final de semana largo (feriado), de forma que os hotéis locais estavam lotados.
Enquanto circulávamos pelas ruas em busca de hospedagem e uma agência bancária, já que nesta altura estávamos sem dinheiro e a maioria dos comércios não aceitam cartões, mas as diversas tentativas foram frustradas mesmo com auxílio do suporte ao cliente aqui do Brasil e funcionário da Secretaria de Apoio ao Turista, sem contar que não havia local adequado ou seguro para estacionar a moto carregada com as nossas bagagens, aí para coroar o dia começou a chover.
Por fim acatamos a sugestão de uma recepcionista que indicou uma senhorinha que alugava quartos em um bairro afastado. Apesar da localização pouco acolhedora pernoitamos lá, pois estávamos exaustos.  

17º dia - 13/10 (domingo)
Na manhã voltamos ao centro da cidade para resolver a questão do saque de dinheiro. Como era cedo as ruas estavam vazias e as lojas fechas, mesmo assim buscamos estacionar a moto em espaço autorizado e deparamos com uma agência do Itaú e sacamos diretamente do caixa eletrônico sem estres.
Tomamos o café, abastecemos a Fiona, ligamos o GPS e partimos. Contudo a Gabriela tinha acordado do avesso e selecionou uma rota rustica, sem pavimentação. Em dúvida do caminho reprogramamos o aparelho, mas o resultado foi o mesmo, assim encaramos o que inicialmente seriam um pouco mais de 50 quilômetros, por uma estrada serrana de terra, utilizada aparentemente por sitiantes a cavalo e talvez carros pequenos off road.
Seguimos firmes, em alguns trechos a moto deslizou no barro, passou dentro de córregos e riachos. Alguns poucos nativos cruzaram conosco, com ar surpreso acenavam e nós retribuíamos, mas quase todo o tempo estávamos sozinhos. Eu tinha impressão que estávamos voltando tudo o havíamos percorrido no dia anterior, só que pelo rascunho.
O longo percurso, o calor, a humidade e a baixa velocidade foram me desgastando, mas assim mesmo estava bem divertido. Contudo acho que em algum momento saímos da rota e já tínhamos rodado uns 80 quilômetros quando derrapamos no cascalho e caímos.
O impacto quebrou a mala e meu tornozelo. Tudo ficou confuso, bem confuso..., tentamos organizar as ideias, avaliamos os danos e o Cássio levantou a Fiona usando a técnica ensinada pela montadora, amarrou a mala, colocou-me na garupa e deu partida, mas com a adrenalina bombeando e o terreno arisco a moto acabou tombando novamente. Aí não teve jeito, eu fiquei deitada no chão, sem forças.
O Véio sacou o telefone para procurar ajuda, mas não tinha sinal. Ficamos ali sob o sol um bom tempo na expectativa de passar alguém. O primeiro carro parou mas não nós ajudou, penso que a bizarrice da situação assustou os argentinos.
Posteriormente um casal acompanhado pela neta parou. Não sei se em função da barreira da língua ou se por que era domingo e os nativos estavam de folga rumo a um piquenique familiar, eles demoraram bastante para perceber a nossa urgência em receber socorro médico. Conversamos, ouvimos historinhas, recebemos água e até um franguinho assado para comermos.
Fui levada a uma Unidade de Saúde em uma vila rural pelo gentil casal, com o Cássio de moto vindo na nossa cola. A enfermeira local ficou bem irritada quando viu a minha situação, esclarecendo que não tinha recursos para fazer a avaliação que o caso requeria, assim o Cássio foi até o posto policial lá perto e os funcionários chamaram uma ambulância que me transportou para o Hospital Público Municipal.
No PS fui muito bem assistida pela equipe que constatou 02 fraturas no meu tornozelo direito.
Nesse ponto começou a nossa saga, pois a seguradora informou que não estávamos cobertos na Argentina e que só receberíamos assistência quando cruzássemos a fronteira para o Brasil. Reclamamos, apelamos, intimidamos, imploramos mas nada. O corretor de sinistro, de forma implacável, respondia: - Senhor, atente-se a clausula da sua apólice!
Reservamos um hotel nas imediações do PS para descansar e planejar nosso retorno ao Brasil, o mais rápido possível, considerando as condições.
A partir do dia 14 até dia 19 de outubro vou contar as ocorrência sem distinção dos dias, já que, de uma forma geral, a aventura de moto tinha acabado. Só desejávamos voltar para casa, esganar a corretora de seguros para eu, enfim, começar o meu repouso absoluto indicado pelo médico argentino.
Frente a situação buscamos alternativas de transporte. Primeiro contratamos um táxi até a rodoviária, onde pegamos um ônibus semi-leito, rodamos uns 140 quilômetros e devido à falta de espaço adequado meu pezinho ficou dependurado, causando grande incômodo até o aeroporto de Salta, lá não havia linha aérea direto para o Brasil, apenas com conexão para Buenos Aires – São Paulo, com intervalo de 14 horas, pior ainda, não teria vaga nos voos pelos próximos dois dias. Também não há ônibus, trem ou barco via Brasil.
A falta de opções começou a me deixar angustiada, assim num arroubo decidimos montar na moto e rodar até a fronteira brasileira e de lá acionar novamente a seguradora. Foram horas estranhas e duras, apenas com paradas estratégicas para abastecimento, alimentação e pernoite, e após 1.500 quilômetros chegamos em Urugauiana - Brasil, cansados mas bem. Não posso dizer o mesmo do meu anjo da guarda, que já deve estar no 5º reserva.
Da praça mesmo, onde eu fiquei estendida no banco, telefonamos para a seguradora que enviou um guincho para a moto e enquanto aguardávamos as demais providência fiquei no pátio da Igreja Santana, amparada pela secretária da paróquia.
Eu estava tão contente por pisar em terras brasileiras que mais nada me irritava. Nem a demora para o nosso translado ou na localização de um quarto ou na distância até a cidade de Santa Maria feita de ônibus ou a espera na pequenina sala do aeroporto ou a falta de teto em Porto Alegre, pois em fim chegamos à Mauá. E tenham certeza, nenhum lugar é melhor que o Brasil e melhor ainda é a minha casa.
Essa viagem além de enriquecer a minha vida trouxe um bônus imprevisto, pois como comi mal, pouco e suei bastante acabei perdendo quase 5 quilos...mas não comemorem já recuperei tudo e um pouco mais nesses 60 dias de repouso. Paciência! Fiquei com uma experiência internacional inesquecível e com uma nova proposta de ano novo...EMAGRECER.
Bem acredito que cumpri minha tarefa contando algumas partes da viagem, que apesar dos contratempos, na minha avaliação, foi muito legal, positiva e instrutiva.
No início falei que não daria dicas para outros aventureiros, mas à medida que fui escrevendo mudei de ideia, então vou deixar algumas sugestões:
- Planeje conjuntamente a viagem com todos os integrantes;
- Viaje em grupo que é mais divertido e seguro;
- Leve dinheiro (especie) além dos cartões de débito, crédito e pré-pagos, pois muitos lugares não aceitam cartões;
- Leve roupas descartáveis;
- Faça ampliação do perímetro do seguro contra acidentes, roubo etc., e certifique-se que consta na apólice;
- Compre lembrancinhas no início e ao longo de todo o passeio, nunca deixe para última hora;
- Aprenda o idioma local (pelo menos um pouco) ou inglês (fluente);
- Tenha sempre água para beber;
- Não perca de vista as bagagens ou a moto e fique atento ao ambiente, prevenindo assim roubos, furtos, multas, perdas de objetos etc.;
- Registre diariamente os fatos importantes, pois depois fica tudo meio embaralhado;
- Não tenham receio de viajar, pois é muito bom para alma, para o corpo e rejuvenesce.